terça-feira, 28 de fevereiro de 2006


SAUDADE DESSE AMOR


Quisera ter vivido um amor
de tal candura...
Seria a maior alegria de uma ternura sem fim...
Não teria sofrido
a dor da separação...
O coração sempre tem razão !
De todas as euforias...
pediria tais fantasias
para viver tamanha emoção ,
nos braços e com os beijos
do mais lindo coração !
Seria por certo a grande magia prometida!
Pudera...
Nunca ninguém conseguiria
amar alguém assim !
Outrora um grande amor
eu dera sem medida !
Agora...
Só a saudade
entrega-me a dor da felicidade...
Em mim !
Devoto a esse amor
toda a fidelidade...
Enfim!

VERA MUSSI

DEIXE-ME SÓ COM MINHA DOR


não sei se hoje quero sair de dentro da concha...
não sei nada...
pelo menos, apesar de tudo,
estamos vivos... saúde...

chavões não me aliviam nesse instante !!

"tem coisas piores..."
"tudo passa..."
"amanhã é outro dia..."
"nada acontece por acaso..."
"vão-se os anéis, ficam os dedos..."
"não há mal que sempre dure..."

sei disso tudo! mas também sei que hoje,
neste momento,
sem qualquer dúvida,
quero chorar as minhas dores,
lavar com sal as feridas que estão sangrando.

quero carpir minhas tristezas,
bater a testa no chão,
jogar cinza sobre minha cabeça....
amanhã, quem sabe,
eu sinta vontade de dançar e rodopiar loucamente...
ou já nem me lembre que vivi o dia de hoje...

só sei que não posso fugir desse sofrimento,
deixar de vivê-lo... adiá-lo.
hoje é hoje...
depois, é depois...

...olho à minha volta e só encontro fragmentos...

o tempo é senhor de nossos males...

deixe-me só com minha dor...

Sylvia Cohin




domingo, 26 de fevereiro de 2006

A FOZ DO LIVRO


Humedeço os pés
nas águas do meu rio
impregno-me duma vastidão de ternura
que sacudo depois
sob a forma de gotículas de palavras
espargindo sílabas de carinho
nas folhas alvas do papel
e o poema torna-se erótico
Como o rio
que ejacula na foz o sémen da fogosidade
e adormece feliz
entre seios de espuma salgada
após uma corrida longa
impetuosa
estóica
até ao útero da vastidão oceânica

Assim caminha o poema
e o poeta
até à foz do livro


FERNANDO PEIXOTO

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006


Vestido de Chita

E então me fiz bonita...
Tu chegavas de viagem
cheio de amor na bagagem
e eu a esperar-te aflita...
Fiz-me bela e perfumada,
riso doce aconchegante
fiz-me pecado e amante,
regaço de namorada...
Trazia o olhar com o brilho
do sol que aquecia o inverno
e o meu abraço mais terno
era um morno coxonilho...
Muitos beijos preparei
lábios quentes de cetim
beijos da cor do carmim,
todos para ti guardei...
Um punhado de carícias
pro teu corpo saciar,
e meu desejo a ciciar
o gozo dessas delícias...
Tu chegaste tão faminto
e me fizeste rainha
de uma pátria toda minha:
terra do amor e do instinto!
Tu me fizeste bonita
e consagrada ao suão,
com meu vestido de chita,
fui mulher em tua mão!


Sylvia Cohin
Cidade do Porto, 11.01.2006

Tão Longe...


Tão longe
onde os ventos cantam
num rincão distante
onde as sombras se encantam
em profunda imensidão
de mundos insondáveis
descansarei meu coração
mudo e cansado
na cidade encantada
onde os silêncios moram...
Não levarei suspiros de saudade
tampouco os dias da minha mocidade
não terei malas
nem tralhas na bagagem
ou qualquer outra coisa
que amealhei ou desfrutei
durante a viagem
Levarei, sim,
o labor do que construí
o amor que distribui
o pão que porventura reparti
Levarei amizades
alguns quinhões de solidariedade
um misto de bonança e felicidade
Deixarei retalhos
do que ficou inacabado
alguns projetos perdidos no passado
a chama acesa a consumir
alguma coisa que restou
dos dias que vivi
alumiando a certeza e a esperança
dos dias que hão de vir

Emilia Possidio
Fortaleza, 14.05.2004/ 15:00h

http://www.cochilandonasestrelas.com

TRABALHO INFANTIL



Fernando Peixoto

Tem apenas doze anos o miúdo !
Doze séculos, já, de frustração,
Doze séculos inteiros de absurdo
E poucos, muito poucos de ilusão.

Doze anos num rosto de graúdo
E tantos, já, na luta pelo pão !
Meu menino lindo a quem falta tudo !
Meu menino, meu filho, meu irmão !

Teu corpo frágil move-se na dança
Horripilante dum trabalho duro
C'o a música das máquinas por fundo.

As tuas mãos, pequenas, de criança,
Ganham calos brincando c'o Futuro
Enquanto esperas que melhore o mundo.

SE ALGUÉM ME PROCURAR




Se esse alguém
de quem tantas vezes te falei
procurar por mim,
diga-lhe que me cansei
de esperar por um afeto,
por um carinho, por um abraço.

Diga-lhe que estarei ausente
que procuro teto de zinco quente,
que na maionese viajei,
e nela escorreguei.
Diga-lhe o que lhe der na telha,
que sofri derrame
ou fui picada por uma abelha.
Diga-lhe que me livrei das prisões
e saí por aí, tresloucada,
a falar com meus botões.
Diga-lhe que chutei o pau da barraca
que ando meio babaca,
que perdi a noção dos fatos
e que, entre tantos boatos,
diga que enloqueci
e que dele esqueci.
Que me procure nas ruas,
nos cantos desta cidade,
nos bares, boates e afins.
Mas não lhe conte a verdade.
Que estou morta de saudade,
banhando-me no próprio canto
deste eterno desencanto,
morrendo dentro de mim.


CLEIDE CANTON
SP, 07/12/2005
00:20 horas